Com a aproximação do final do ano, empresas e empregados querem saber como fica o 13º salário dos trabalhadores que tiveram os contratos e salários suspensos em 2020 em razão da pandemia de covid-19.
Em outras palavras: os meses de suspensão devem ser computados no cálculo?
A Medida Provisória 936/20 e a Lei 14.020/20 tratam da suspensão dos contratos de trabalho no contexto da pandemia do novo covid-19. Elas não têm previsão específica a respeito dos impactos da suspensão sobre o 13º salário.
Diante disso, existem (pelo menos) dois entendimentos possíveis:
O trabalhador não pode sofrer prejuízo, de modo que o período em que o contrato esteve suspenso deve ser computado normalmente para o pagamento de 13º salário; e
O trabalhador que teve o contrato de trabalho suspenso não perde o direito ao 13º salário, mas o período em que o contrato esteve suspenso não pode ser computado para fins de cálculo dessa verba. Com isso, seu valor sofrerá uma redução.
O primeiro entendimento se baseia em princípios gerais do Direito do Trabalho, de proteção a parte mais frágil da relação, que é o trabalhador. Já o segundo entendimento leva em consideração as normas gerais sobre o 13º salário.
Com todo respeito ao primeiro entendimento e à tão sacrificada classe trabalhadora, me filio a segunda interpretação. Ao menos até este momento, ela é a mais difundida em artigos e manifestações de colegas que também atuam na área trabalhista.
Essa interpretação decorre da legislação geral sobre o 13º salário. Este benefício é previsto pela Lei 4.090/62 e “corresponderá a 1/12 avos da remuneração devida em dezembro, por mês de serviço, do ano correspondente” (artigo 1º, § 1º, desta Lei, destaquei). Para que o mês seja computado, deve ter sido trabalhado por quinze dias ou mais, conforme artigo 1º, § 2º da Lei.
O Decreto 57.155/65 regulamenta o 13º salário e vai na mesma linha. Seu artigo 1º, § 1º, também é claro quanto à vinculação do cômputo de cada mês ao efetivo serviço, ao prever que: “a gratificação corresponderá a 1/12 (um doze avos) da remuneração devida em dezembro, por mês de serviço, do ano correspondente, sendo que a fração igual ou superior a 15 (quinze) dias de trabalho será havida como mês integral.” (grifei)
Levando em conta esses parâmetros e tendo em vista que durante a suspensão do contrato não há serviço, o período de suspensão não deve ser computado para fins de cálculo do 13º salário. Os demais meses, por outro lado, tem que ser considerados.
Vamos a um exemplo prático:
– um empregado admitido antes de 2020 e que teve o contrato de trabalho suspenso por 90 (noventa) dias entre 06.04.2020 e 04.07.2020 e que não tenha sido demitido durante este ano, tem direito a 9/12 de 13º salário.
Explico o exemplo acima:
– o mês de abril não pode ser considerando para fins de cálculo do 13º pois não houve trabalho por mais de 15 (quinze) dias;
– os meses de maio e junho também não podem ser considerados, pela mesma razão;
– o mês de julho deve ser considerado, pois houve trabalhado por mais de 15 dias;
– os meses anteriores e posteriores a suspensão devem ser considerados, porque foram trabalhados.
Dizer que o trabalhador tem direito a 9/12 do 13º salário, no exemplo acima, significa que sua remuneração deve ser dividida por 12 e multiplicada por 9, para chegar ao valor devido. Portanto, em outra situação, se o contrato tivesse sido suspenso por 4 (quatro) meses, por exemplo, a fração devida seria de 8/12 da remuneração. No caso de suspensão por 5 (cinco) meses, a fração devida é de 7/12. E por aí vai…
Complicando um pouco os exemplos, se a suspensão tiver sido por período “quebrado”, como 41 (quarenta e um) dias, o trabalhador fará jus a 11/12 de 13º salário. Isso porque, neste caso, o contrato esteve suspenso apenas por um mês completo e fração inferior a 15 dias.
Dessa forma, o entendimento que vem prevalecendo até aqui é o de que o trabalhador que teve o contrato de trabalho suspenso em razão da pandemia de covid-19 não perde o direito ao 13º salário, mas pode receber um valor inferior ao “normal”, pois o período de suspensão não é computado para o seu cálculo.
Veremos como as empresas vão proceder em relação a isso, se farão os pagamentos integrais ou proporcionais. Neste caso, os trabalhadores que se sentirem lesados poderão buscar socorro na Justiça do Trabalho, a quem caberá a palavra final.
Aliás, é importante deixar claro que o trabalhador que já tenha sido dispensado sem justa causa antes da época própria do pagamento de 13º salário também tem direito ao seu recebimento. Neste caso, o cálculo é proporcional (artigo 3º da Lei 4.090/62) e o pagamento deveria ocorrer por ocasião da rescisão.
Tratamos, aqui, dos efeitos da suspensão do contrato sobre o cálculo do 13º salário. Quanto à redução salarial, também autorizada pela MP 936 e pela Lei 14.020, a discussão é ainda mais complexa e comporta diferentes interpretações. Por isso, deixaremos esse tema para artigo futuro.
Artigo escrito por Marcelo Trigueiros, advogado especialista em Direito do Trabalho, inscrito na OAB/SP nº 207.201. Formado pela PUC-SP em 2002 e pós graduado (lato sensu), também pela PUC. Sócio do escritório Trigueiros e Duarte Advogados, presta consultoria e atua em processos administrativos, judiciais e compliance trabalhista.